Doutorada e mestre em ciências da comunicação e professora na Escola Superior de Comunicação (IPL), Mafalda Eiró-Gomes coordenou em 2016/17 um estudo sobre a comunicação no terceiro setor em Portugal, que se debruçou sobre a realidade específica das ONGDs. Gosta muito desta área e acredita que a comunicação “é ação e tem uma missão a desempenhar”. Fomos ouvi-la sobre o retrato traçado para Portugal pela edição de 2018 do Global NGO Technology Report.
Estúdio de Impacto: Que impressões lhe deixaram estes dados apurados em Portugal junto das organizações sem fins lucrativos, no âmbito do Global NGO Technology Report?
Mafalda Eiró-Gomes: Estas conclusões estão dentro da realidade que conhecemos, nomeadamente a partir do estudo que fizemos no ano passado, com a Plataforma Portuguesa das ONGDs. Debruçamos-mos apenas sobre esse sector específico, mas estes dados sobre a realidade mais alargada das organizações sem fins lucrativos, em geral, vem reforçar o que encontrámos. Juntando ambas as fontes, este retrato fica ainda mais forte.
EI: Considera que a realidade por cá tem evoluído à mesma velocidade a que surgem tantas novas oportunidades facilitadas pela tecnologia?
MEG: Parece-me que a ideia do digital realmente fez a diferença, mas é uma diferença que, na verdade, continuo a achar muito curta ou muito pequena, porque é um digital feito sempre de uma forma muito amadora. Existem páginas de Facebook mas quem é que as gere? como é que são geridas? com que objetivos? como é que a identidade da organização é expressa? Estes questionários não nos mostram esses aspetos mais qualitativos e por vezes o retrato pode ficar um bocadinho bonito demais.
Desafios e Oportunidades para a comunicação
EI: Há uma utilização genérica destes novos meios, mas não necessariamente tirando o melhor partido deles?
MEG: Suponho que a história do digital chamou a atenção para a comunicação, mas não chamou a atenção para a forma como a comunicação deve ser tratada. É exatamente um uso muito amador, que às vezes ainda se faz destas novas tecnologias e que não cumpre o seu desiderato.
EI: A angariação de fundos é uma das áreas onde o subaproveitamento destes meios se faz sentir?
MEG: A angariação de fundos online, numa perspetiva de crowdfunding, é uma ideia um pouco ambivalente. Do que tenho visto de relatórios internacionais o seu sucesso não é evidente e, em Portugal, parece-me que a realidade ainda é um bocadinho pior. As pessoas têm, frequentemente, alguma reserva em doar online. Muitas vezes estão lá, começam o processo mas depois não vão até ao fim.
No entanto acho que há todo um manancial a explorar que passará também por outras dimensões. Criar redes, estabelecer novas relações, encontrar parceiros. Nem tudo se resume à doação individual.
Por outro lado penso que as pessoas, em Portugal, ainda têm muito pouca informação, ou seja, a ideia de carregar camionetas e, de repente, levar cobertores não sei para onde, não é propriamente a melhor solução. Nós somos muito voluntariosos e generosos, mas falta sempre informação do ponto de vista do que é realmente útil ou não. Creio que a comunicação também pode ser usada a esse nível, trabalhando uma visão mais alargada e mais estratégica, para consciencializar a sociedade civil como um todo e não funcionar apenas numa base reativa, de fazer pedidos. Este é outro trabalho importante que pode ser feito.
EI: E a esse propósito também podemos falar da importância da “consistência” na comunicação destas organizações…
MEG: Claro, o terceiro setor devia ser muito mais consistente na sua comunicação e muito menos panfletário, se quiser.
Uma Comunicação Ética e Transparente: “Anti Crise”
EI: Estas crises de reputação que estão a afetar inúmeras destas organizações, dentro e fora de Portugal, terão também a ver com esta fragilidade?
MEG: Suponho que estas coisas sempre existiram, a questão é quando é quando ganham o valor de notícia e porquê. Aí também tenho sempre um pé atrás em relação a empolgar demais o negativo.
EI: A comunicação pode distorcer a realidade e fabricar “falsas reputações”?
MEG: Suponho que a comunicação tem que expressar a identidade das organizações, portanto as organizações é que têm de ser, antes demais, elas próprias verdadeiras. Factos são factos e contra factos não há argumentos. Portanto há que ter atenção e cuidado com o que se faz, de facto. É verdade que ao juntar o tempo e o espaço, que é o que esta nova tecnologia permite, a difusão do disparate se torna muito maior, a dificuldade de travar o disparate é muito maior, mas o disparate não deixa de ser disparate. Mesmo que só um é que saiba.
EI: E a transparência pode ser uma defesa contra este cenário? prevenir em vez de remediar?
MEG: Sempre achei que sim. Este tipo de organizações tem de considerar essa dimensão, a ideia de que porque “é do terceiro setor é ético” já ninguém compra. Estas organizações têm mesmo de o ser, não basta parecer, não podem inventar. A transparência como expressão da sua identidade é um fator importante. Creio que o digital torna esta ideia muito mais palpável e presente.
A colaboração entre setores
EI: Finalmente, ainda a propósito da comunicação, gostava de lhe perguntar que sentido faz para si a ideia de uma agenda de valor partilhado entre os vários setores. Acha que estamos a caminhar nesse sentido?
MGE: Acredito que, no mundo tão cheio de desigualdades em que estamos a viver, o diálogo e a cooperação entre os setores serão cada vez mais fundamentais. Penso que uma sociedade informada tenderá a exigir muito mais das empresas e creio que o cidadão, cada vez mais informado, pode fazer a diferença. Esta ideia de colaborar, cooperar, partilhar, não é nova, mas acredito que será cada vez mais relevante. E a comunicação também terá aqui uma missão importante, de por em jogo os vários players.